Voltando o nosso olhar para o blended learning, para a aprendizagem combinada, sabe-se que os seus princípios fundamentais são os seguintes: foco no aluno, em habilidades, competências e atitudes que promovam a personalização, em que o aluno aprenda no seu tempo e em qualquer lugar, potencializando as suas forças, construindo uma mentalidade de crescimento que o leve a reduzir, ao longo do tempo, as suas fraquezas.
Nos últimos meses muito tem se falado em ensino híbrido, personalização do ensino e novos formatos de serviços educacionais em um mundo pós-pandemia. Todas essas buzzwords certamente começaram a fazer parte de incontáveis rodas de conversa, até mesmo em ecossistemas que nada têm a ver com ambientes educacionais e afins. Muitos profissionais da educação, e outros que nunca pisaram em uma sala de aula, que jamais executaram sequer uma aula com as tão mencionadas metodologias ativas de ensino, num piscar de olhos, transformaram-se em especialistas em estratégias inovadoras de ensino, sem terem a mínima noção de que ensino nem sempre significa aprendizagem. E há aqueles que ainda acham que o fato de usarem algum aplicativo, plataforma digital ou ambiente virtual de aprendizagem, tornam-se experts em execução de memoráveis aulas fundamentadas em aprendizagem ativa. Faz-se necessário entender que a tecnologia é uma extraordinária ferramenta, ou seja, um meio para potencializar a aprendizagem. Jamais um fim em si mesma.
A própria origem do termo ensino híbrido, que nasceu a partir do termo blended learning lá no início dos anos 2.000, como um formato diferente usado em cursos do mundo corporativo e que, aos poucos, começou a ser usado em algumas salas de aula da educação formal ao redor do planeta, teve a sua tradução um pouco míope ou descuidada. Blended Learning refere-se a aprender de forma misturada ou combinada. E não de simplesmente ensinar de um jeito analógico ou digital, presencial ou distante, síncrono ou assíncrono.
Mas, como assim, aprender de forma misturada? Diante dessa questão, vamos a mais uma pergunta: você já ouviu falar da Internet do Comportamento? Pois saiba que ela já ouviu falar de você e está de olho em seus movimentos desde o nascimento da Sociedade da Informação, ao final do século XX. Pois, essa tal Internet of Behavior – IoB (termo e sigla em língua inglesa para internet do comportamento) é uma espécie de extensão da Internet of Things – IoT, ou internet das coisas, que permeia a vida dos seres humanos há alguns anos.
Antes mesmo de o pesquisador britânico Kevin Ashton (Massachusetts Institute of Technology – MIT) ter cunhado o termo “Internet das Coisas” em 1999, era possível observar uma ressonância ao redor do mundo em que as pessoas experimentavam duas redes de comunicação ao mesmo tempo e com muitos pontos de intersecção: o mundo da internet e o mundo das coisas da vida real. E aqui vale uma necessária e contundente reflexão: além das pessoas estarem usando computadores, os próprios equipamentos estavam “se usando” de forma independente, de modo a tornar as nossas vidas mais rápidas e mais eficientes. Uma grande rede de computadores conectados entre si, com uma arquitetura lógica e inteligente, começou a ir além do interagir com o mundo. Os computadores e seus sistemas começaram a “sentir” o mundo ao seu redor a ponto de influenciar o comportamento humano.
E por falar em comportamento humano, vale darmos uma tateada na obra do incrível psicólogo norte-americano Burrhus Skinner: Ciência e Comportamento Humano (1953). É possível observar que, em seu livro, Skinner destaca a necessidade de o conhecimento ser útil e ter um significado prático. Para ele, a ciência poderia e deveria ser um “corretivo” para os problemas humanos. Esse pensamento é revisado ao longo de toda a publicação para que sirva de um chamado para o seguinte: o empreendimento de uma ciência do comportamento humano traz resultados práticos para a sociedade. Chamo a atenção para o fato de que Skinner foi um defensor da ideia de que o livre arbítrio era uma ilusão e que a ação humana era dependente das consequências de ações anteriores.
Voltando o nosso olhar para o blended learning, para a aprendizagem combinada, sabe-se que os seus princípios fundamentais são os seguintes: foco no aluno, em habilidades, em competências e em atitudes que promovam a personalização, para que o aluno aprenda no seu tempo e em qualquer lugar, potencializando as suas forças, construindo uma mentalidade de crescimento que o leve a reduzir, ao longo do tempo, as suas fraquezas. Com estudo individual e em grupo, de forma colaborativa, em diferentes espaços, momentos e utilizando os mais variados equipamentos.
O professor e pensador José Moran em 2007 afirmou o seguinte: “a educação está cheia de rituais: de entrada, de permanência e de saída. Em nossa mente vive o conceito de semestralidade, o do período de aulas, dos exames, de férias. Parece que sem eles não aprendemos de verdade”.
É certo que quebrar essa estrutura, esse ritual obsoleto e sua inércia, é um dos grandes desafios para o planejamento e execução de novos modelos de ensino que privilegiem a aprendizagem. Isso exige tempo, investimento em infraestrutura e, principalmente, em formação continuada do corpo docente e de seus gestores, de forma inovadora e não o mais do mesmo. Além disso, precisamos que a comunidade ao redor da escola, ou da universidade, esteja disposta a mudar e a acreditar que essa transformação é necessária, que ela fará sentido para esse novo aluno e que o fará relevante diante das demandas do século XXI.
Sendo assim, que tal ousarmos misturar todos esses elementos a fim de levarmos a educação para um patamar superior, com foco na aprendizagem dos alunos e na verdadeira combinação de dois ingredientes indispensáveis, aquilo que chamo de aproveitar o melhor de dois mundos: seres humanos inspiradores + tecnologias emergentes?
Cientistas do H-UTokio Lab (Japão) afirmam que desde 2010 vivemos em uma Sociedade 5.0, também chamada de Super Smart Society, que é uma espécie de sociedade super esperta que evoluiu a partir da Sociedade 4.0, tendo como proposta um modelo de organização da sociedade em que tecnologias como big data, inteligência artificial e internet das coisas (IoT) são usadas para criar soluções com foco nas necessidades dos seres humanos. Tal modelo busca desenvolver serviços necessários para o bem-estar a qualquer hora, em qualquer lugar e para qualquer pessoa, por meio do planejamento de cidades totalmente conectadas, nas quais o ciberespaço se integra de maneira harmônica ao mundo físico.
E que tal pensarmos na educação como um serviço com essa mentalidade? Uma estrutura na qual possamos coletar dados, transformá-los em informações para a tomada de decisão e, com base nisso, personalizarmos o ensino com conhecimento e sabedoria, levando os alunos a reboque para além dos conteúdos estáticos e dos discursos unidirecionais das aulas tradicionais expositivas e informativas? Onde a aprendizagem adaptativa seja real e com foco na necessidade dos alunos?
Estamos na iminência de termos que lidar de uma forma mais contundente, e encontrarmos soluções, para os seguintes problemas mundiais (para citar apenas alguns): aumento da desigualdade na concentração de riquezas, competição internacional intensa, aumento da demanda por energia, alimentos e outros recursos, urbanização, clima e tecnologia como parceira ou inimiga.
E então: devemos agir ou esperar para ver onde tudo isso vai dar? A vida é um processo de escolhas e, sendo assim, as nossas escolhas como indivíduos e como parte de um grupo de educadores ou de gestores da educação, impactará o futuro. A educação, que possui como premissa fundamental a relação entre as pessoas para que o outro se desenvolva terá um grande papel em como o mundo estará daqui para a frente. Seria bem mais confortável apenas esperarmos para ver onde essas mudanças nos levarão. Mas, certamente, é melhor que todos nós trabalhemos pró-ativamente para garantirmos um futuro melhor.
E em relação aos aspectos comportamentais, há alguma projeção? Como estará formatado o sistema de valores e crenças da humanidade? Questões relacionadas à honestidade, resiliência, coerência, empatia, inteligência emocional e a forma de lidar com sentimentos próprios e do outro? Julgamentos, fake news, diversidade, ciência x política, falsidade nas relações e autenticidade do ser humano? Vou garantir o meu e o resto não quero nem saber?
O verbete “gente” remete a algo precioso relacionado aos seres humanos. Aqueles que são fontes de inspiração e que contribuem para o desenvolvimento do outro. Se o tal Homo Sapiens foi capaz de construir uma Super Smart Society, então que sejamos capazes de sermos gente. Que possamos, por meio da educação, transformar dados e informações em conhecimento e sabedoria. Disso dependerá o nosso futuro e de toda a sociedade.
Por José Motta Filho
Professor, pesquisador, consultor, palestrante, autor e entusiasta em Metodologias Ativas de Ensino e Tecnologias Educacionais. Co-Fundador da Moonshot Educação, Diretor Educacional da Silicon Valley Brasil, Head of Edtech das Startups Beenoculus e Beetools e Advisor do Circuit Launch Education Program no Vale do Silício [USA]. Engenheiro Civil [UFPR]; Pós-Graduado em Gestão Escolar [FAE]; Especialista em Principles of Technology [Cord – USA]; MBA em Gestão Empresarial [FAE & Baldwin Wallace University – USA]; Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação [Must University – USA]. https://linktr.ee/prof.motta
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