A fumaça que nos acordou

A fumaça chegou até a nossa porta e acinzentou o horizonte, triunfante, sempre para o alto e além de parte da humanidade. Contraditoriamente, a névoa seca que ofusca é a mesma com o potencial de abrir os nossos olhos.

Dentre tantas histórias que têm nos deixado atônitos nessa sequência de recordes de temperaturas e eventos climáticos extremos, darei um zoom nas chamas da Chapada de Guimarães (MT). Mais de 4 mil espécies de animais e mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas estão sendo despejadas de suas moradas. Nos seus paredões, onde as araras faziam os seus ninhos, em vez do aconchego, o fogo. Elas gritam mais alto que as chamas. Diante disso, que conversas precisamos ter? O que falar aos nossos filhos? Até onde estamos dispostos a ir?

Ouvir o grito da Criação passa por fazer as conexões, identificar contextos e interdependências entre todas as coisas, todos os indivíduos, todas as espécies de seres vivos e de todas as entidades do mundo natural. Mais do que nunca é preciso unir aquilo que foi dispersado e desvinculado pelos métodos e processos que, historicamente, nos formaram e que nos distanciaram, fazendo-nos entender que estamos acima e fora da natureza. Contudo, não é possível entender a dinâmica da Criação e dos ecossistemas naturais ou sociais sem voltarmos para as relações que as constituem. Com essa visão ecossistêmica da vida é que podemos fazer da casa que nos abriga um lugar comum, justo, pacífico e possível para todos e todas que a habitam.

Nosso jeito de estar no mundo não mais se sustenta. Será que conseguimos entender essa mensagem que o mundo natural está bradando? À margem, os mais pobres e os vulneráveis, primeiros a serem atingidos, os que menos demandam e os que mais tardiamente recebem o socorro. Esses, ainda temos no meio de nós. Tantos cansados e sobrecarregados das longas caminhadas fugindo das secas, das enchentes, da violência, da guerra e da fome. No meio de nós, moradores em situação de rua, desesperançados, pessoas que tiveram todas as portas fechadas e que hoje habitam os becos e as “cracolândias” das grandes cidades.

No meio de nós, uma Criação explorada, destruída, escarafunchada, poluída. Rios de lama e florestas que não mais sustentam a vida. Montanhas comidas e desconfiguradas. Terras secas, monocromáticas, estéreis. No meio de nós, uma sexta extinção em massa que irá apagar para sempre tantas e tantas belezas, cores e sons dos mais diferentes animais. No meio de nós, “quem tem ouvidos, ouça”, os gemidos e lamentos que vêm das gaiolas, das cercas, das caixas, dos becos insalubres, dos confinamentos, das baias, dos galpões, dos aquários e de tantos outros espaços onde o animal não humano se encontra.

Entre nós, as mercadorias mediando as relações. Objetos grandes e pequenos, caprichos e mimos que demandaram na sua produção o metal, a água e a energia. Na sequência, o seu descarte, sem ao mesmo considerar a reciclagem. Ouvir o grito da Terra pede tradução. Qual gesto concreto? Estamos dispostos a renunciar a quê? Quanto restará de nossa existência se retirarmos a ostentação do ter?

Para tudo isso, não basta uma andorinha. É preciso a disposição de um povo, pactos entre as organizações, alianças entre famílias, políticas públicas. É o coletivo que se reúne, caminha junto e renuncia ao ter. Não será necessário deixar de lado o encontro, a amizade, a demonstração de apreço. Essas coisas não têm preço e nem demandam nada das nossas montanhas, rios, animais e florestas.

Antes de sair, é prudente olhar para dentro de si e, com humildade, responder: o que eu preciso mudar? Reconhecer que em cada uma das realidades descritas acima tem um pouquinho de nós. Nessa emergência climática, encontraremos o nosso dedo e a nossa conivência. No mínimo, precisamos parar, recuar e declinar. Todas as bandeiras, em todas as áreas dessa enorme emergência socioambiental, estão dispostas à espera dos pés formosos que anunciam a paz, dos braços que acolhem, das cabeças que pensam e das atitudes que movem.

Por Aleluia Heringer Lisboa Teixeira

Gostou desse artigo?!

Leia mais no blog.

Mais Posts

Semana Laudato Si´- 10 anos da publicação da Laudato Si´

Há 10 anos, o Papa Francisco nos convidava a cuidar da nossa Casa Comum. A Laudato Si’ não é apenas uma encíclica, é um chamado à esperança, à responsabilidade e ao compromisso com a vida. Na Rede Filhas de Jesus, celebramos essa década com fé, consciência e ação!Nossa homenagem reflete os gestos simples e transformadores

Encontro Formativo marca o início do Programa Escola sem Bullying no Stella Maris-RJ

O Colégio Stella Maris – Rede Filhas de Jesus deu início à implementação do Programa Escola Sem Bullying, com encontros formativos para os educadores conduzidos por Benjamin Horta, idealizador do programa. No sábado, o momento foi dedicado às equipes de coordenação e pastoral. Já na manhã desta segunda-feira, toda a equipe de educadores participou de

Rede Filhas de Jesus participa da Bett Educar Brasil

Entre os dias 28 de abril e 1º de maio, o Expo Center Norte, em São Paulo, foi palco do Bett Educar Brasil 2025, o maior evento de Educação e Inovação da América Latina. Estiveram presentes os gestores do Centro de Serviços Compartilhados da Rede Filhas de Jesus e a equipe diretiva do Colégio Stella

Maio: um mês de amor, fé e celebração para a Congregação Filhas de Jesus

“É, ao mesmo tempo, Mãe, companheira e ajuda próxima, na vivência da fé e com ela se estabeleceu uma relação de amor e confiança totais.” (NMPE,66) O mês de maio é um tempo especial para a Congregação das Filhas de Jesus. Mês dedicado à Virgem Maria, também celebramos com muita alegria o nascimento de nossa

Filhas de Jesus
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.