O fazer teatral e seus jogos como ferramentas práticas na neuroeducação

Resumo

Este artigo busca provocar uma reflexão sobre a conexão entre um dos instrumentos mais antigos da sociedade, o “fazer teatral”, que desempenha múltiplas funções sociais e individuais, e um dos campos de estudo mais recentes que beneficia a educação: a Neurociência. O cérebro como órgão por excelência da aprendizagem e os jogos teatrais como ferramenta de exercício de memória, emoção e autoconsciência, capazes de alterar estados neuroquímicos e estruturas cerebrais, conectam-se em perfeita ação como estratégia pedagógica para o desenvolvimento de múltiplas inteligências.

Introdução

Com cérebros acelerados, a informação que “jorra na palma da mão” abre a reflexão para a prática das metodologias ativas que encontram no desenvolvimento de habilidades e competências, o material de operação e mobilização dos saberes.

O cérebro humano, através de suas sofisticadas estruturas neurais, dá ao ser humano maior capacidade de se expressar, de se adaptar e transformar o meio em que vive.

Segundo a educadora norte-americana Tracey Tokuhama Espinosa (2008), em sua tese de doutoramento, há uma série de princípios básicos a serem considerados quando falamos de Neuroeducação: e, baseado nesses princípios, serão inseridas entre parênteses, pequenas observações sobre a atividade teatral:

1- O cérebro é um sistema complexo, dinâmico e em modificação diária, pelas experiências (a experimentação de experiências prévias ou observadas pelo aluno, aumentam seu repertório de vida e, portanto, de aprendizagem);

2- A aprendizagem é potencializada pelo desafio e inibida pela ameaça (exercícios criativos, livres e sem julgamento propiciam desafios e aceitação);

3- Diferentes sistemas de memória, (curto ou longo prazo, de trabalho, de procedimentos, espacial…) aprendem de formas diferentes (jogos teatrais podem solicitar diferentes rotas de memória);

4- O cérebro recorda melhor, quando os fatos e habilidades são integrados em contextos naturais (a observação do todo é despertada para o aluno/ator);

5- Alunos aprendem melhor, quando são altamente motivados do que quando não têm motivação (a própria experiência de soltura criativa e diversão, libera o espaço para a motivação);

6- O stress tem impacto na aprendizagem (uma das etapas de jogos teatrais acolhe exercícios de autopercepção, respiratórios, meditativos e relaxantes);

7- A ansiedade e estados depressivos podem bloquear oportunidades de aprendizagem (idem observação citada acima);

8- As emoções têm um papel chave na aprendizagem (atuar é sentir; se sinto o que é meu, pode ser terapêutico e o que é do outro, pura empatia).

A neurociência, o fazer teatral e seus jogos na escola

Abordaremos todo o processo necessário para garantir que a atividade seja uma experiência rica e bem-sucedida, respeitando as particularidades dos alunos, o perfil do docente e os recursos disponíveis para sua implementação.


Reverbel (1979) defende que o professor de teatro ideal tenha formação superior em Artes Cênicas, mas aceita aqueles com cursos curtos e interesse na área. Ferreira (2001) argumenta que, embora a formação especializada não seja essencial, o professor deve ter sólida experiência prática e teórica, além de estar atualizado, para evitar que o teatro seja visto como uma atividade sem importância.

É condição indispensável para o professor desta área, a criatividade e o rigor na atenção para que não cometa julgamentos, bloqueando ou dificultando esta libertação para o desenvolvimento das aptidões emocionais.

Assim como outros docentes, o professor de teatro deve apresentar essa arte como uma possível carreira profissional.

As atividades dramáticas, sempre que possível, podem e devem ser integradas a outras disciplinas tais como: Artes Plásticas, Música, Literatura e outros.

Considerando o planejamento da atividade numa perspectiva sistemática e deliberada (como deve ser), a descrição resumida do objetivo da atividade, implicaria basicamente em:

1- Vivenciar a prática do teatro e sua relação com a sociedade.
2- Explorar as várias formas de comunicação oral e corporal.
3- Resgatar o repertório de experiências para a construção do conhecimento.
4- Viver o processo de uma montagem teatral.
5- Apresentar uma peça.

Para qualquer idade ou segmento escolar, as atividades seguem a mesma abordagem, adaptada, obviamente, a cada faixa etária. Sugere-se desenvolver:

1- Exercícios de relaxamento, respiração e meditação

A meditação e o relaxamento incentivam o silêncio e observação dos pensamentos. Esse processo aumenta a massa cinzenta do córtex frontal, associada à memória de trabalho e à tomada de decisões, possibilitando também tornar os sentidos mais aguçados. Sentidos aguçados são essenciais para a experiência criativa. Spolin (1987) afirma que a atividade dramática envolve o aluno em todos os níveis: intelectual, físico, e, sobretudo, intuitivo, este último frequentemente negligenciado na educação e resgatado no teatro. Spolin sugere que a criatividade é frequentemente bloqueada pelo medo do julgamento e a busca por aprovação, gerando timidez. O exercício meditativo, nesse contexto, é crucial para desenvolver autoconsciência, autoeficácia e autocontrole, permitindo superar a insegurança e se libertar do julgamento.

2- Jogos de atenção, concentração e ocupação espacial

Jogos de atenção, concentração e ocupação espacial requerem presença total, possibilitando engajamento e estado de flow, gerando bem-estar, mudando bioquimicamente o corpo e trazendo saúde. Com esses exercícios, desenvolver a memória de trabalho com o circuito executivo, permitirá manter a atenção e inibir estímulos distratores, favorecendo a aprendizagem consciente.

3- Jogos de memória

Nos jogos de memória, percepção e raciocínio são requisitados, promovendo novas conexões e desenvolvendo tanto a memória de trabalho quanto a de longa duração, incluindo a memória episódica, que envolve o relato sequencial de fatos.

4- Jogos de improviso

Nos jogos de improviso, a memória de curta duração, ou seja, a memória de trabalho é solicitada; deve-se manter e manipular as informações na mente durante todo o processo do exercício. Esses jogos exigirão um relacionamento intenso de grupo, que acaba por desviar a competição individual para um esforço em conjunto. Gera-se, desta forma, a flexibilidade cognitiva.

5- Psicomotricidade

Nas atividades de psicomotricidade, o corpo em movimento e toda sua conexão com o mundo, com o outro, consigo mesmo. O movimento, o intelecto e a afetividade vêm dar suporte a toda aquisição cognitiva e a construção de relações saudáveis. Os estímulos sensoriais, as percepções e compreensão do próprio organismo, a interpretação de imagens, compõem a circuitaria neural que leva à maturação do indivíduo.

6- A culminância do processo

A montagem cênica! Esta permitirá que o grupo relacione a ficção teatral com a realidade. Envolve-se, nela, a seleção de uma história que deverá ser escolhida ou aprovada pelos alunos. O professor estará entre dois caminhos: o artístico e o educativo. É este o ponto onde a inteligência emocional, relacional e todas as habilidades sociais são exigidas. A fim de se obter bom êxito na apresentação, os alunos precisam focar em múltiplas informações, como marcas cênicas, entradas e saídas, interpretação etc. Como arte viva, o Teatro está sujeito a falhas, o que permite que aluno/ator aprenda a monitorar os erros e tomar decisões, rever planos e resistir. É, sobretudo, um exercício de vida!

Referências

ESPINOSA, Tracey. The scientifically sustantiated art of teaching; a stdy in the development of standards in the new academic field of neuroeducation (mind, brain, and education Science). Tese de Doutorado, Programa de Pós- Graduação em Educação, Capella University, Mineápolis, Minesota.

FERREIRA, Sueli (organizadora). O ensino das artes: construindo caminhos. Campinas: Papirus, 2001.

ORTIZ, Fátima. A linguagem cênica no teatro dirigido à criança. Curitiba, março de 1997 (texto apostilado)

PEREIRA, Alfredo. Comentários a respeito das bases neurológicas da aprendizagem. 1998. Disponível em: https://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1414-32831998000100024&script=sci_arttext&tlng=en. Acesso em: 22 dez.2019.

REVERBEL, Olga. O teatro na sala de aula. 2ª edição. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1979

SEIXAS, Sônia. Da Neurobiologia das relações precoces à neuroeducação. 2014. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&q=artigo+sobre+neuroeduca%C3%A7%C3%A3o&oq= . Acesso em: 22 dez. 2019.

SIEGEL, Daniel; BRYSON, Tina. O cérebro da criança. Tradução Cássia Zanon. Brasil: Versus, 2018.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Tradução Ingrid Doemien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 1987 (Coleção Estudos, 62).

ZILBERMAN, Regina (organizadora). A produção cultural para a criança. 2ª edição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984 (Novas perspectivas, n. 03).

Por Andrea Wanger

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